Voltei
Há muitas coisas que se passaram mas não suficientemente divinas para serem a farinha dos deuses. É possível que me refugie na pureza das imagens antes de traçar palavras definitivas.
A História é feita de previsões errôneas
Nosso senso do tempo tem de sofrer alguns reajustes para estudarmos a história das idéias, onde as coisas transcorrem com uma lentidão terrível. Dizia Homero: "Os moinhos dos deuses moem lentamente". São eles que produzem a farinha para o pão da história humana. As decisões dos deuses são tomadas lentamente, lentamente entram em vigor e produzem consequências que se desenrolam ao longo dos milênios. Para acompanhá-las temos de entrar numa espécie de câmara lenta. Nosso Congresso toma "decisões históricas" toda semana, mas é claro que esta impressão é baseada numa imagem falsa do que seja História. Não cabe ao próprio personagem da cena dizer qual a importância que suas ações de hoje vão ter no futuro. Estas "decisões históricas" são todas irrelevantes. Mas Weber diz que, com os eventos que parecem importantes no momento, costumam acontecer duas coisas - a primeira é que esses acontecimentos se fundem na massa acinzentada do historicamente indiferente; a segunda hipótese, é que o sentido dos eventos acaba sendo tão alterado que vira às vezes o seu contrário. Weber também diz, em outro lugar, que a História é o conjunto dos resultados impremeditados das nossas ações.
Os políticos que tomam decisões segundo uma interpretação simplista e esquemática do momento, caindo no engodo da retórica, arriscam-se a que suas decisões tenham efeitos inversos aos desejados. Quando Luiz XVI manda convocar os Estados Gerais, é para dar um fim ao clima de insatisfação. Ou quando o Czar da Rússia liberta os escravos, é para eliminar uma situação de insatisfação causada pela injustiça. Como resultado, Luiz XVI é guilhotinado e o Czar morre na explosão de uma bomba. Aqueles atos que, no entender dos personagens ( e segundo a retórica dos intelectuais do momento ), levariam à restauração do seu poder, causam em vez disto a sua extinção. É difícil o caso de um evento histórico que tenha efetivamente o sentido que seu personagem desejou ver nele. Como os mil anos do Reich, que se esgotaram em doze. Aquilo que parecia ser a culminação de um movimento nazifascista foi na verdade o seu fim. Imaginem se os autores da Revolução, ao guilhotinarem metade da França, soubessem que o resultado de tudo aquilo seria um império, um imperador que restauraria tudo e criaria uma nova dinastia, que depois cairia para dar lugar à volta da velha dinastia, e que em 1848 seria preciso fazer uma segunda revolução para morrer um bocado de gente novamente e que só por volta de 1870 haveria paz liberdade e prosperidade? Robespierre acreditaria nisso? Acreditaria que viria a entrar para a História como o protótipo do tirano sanguinário, em vez de como um libertador do povo?
O sentido do evento histórico é sutil, é melhor consultar os deuses e tentar ver as coisas a uma distância muito grande(...)